segunda-feira, 29 de novembro de 2010

conto que se escreve antes de sair de casa

Olhava as camisas dele, que ainda estavam penduradas junto às suas, num canto do guarda-roupas. Sobre o armário, o maço de cigarro dele que sobrou. Conversas que não terminaram, dias que ficaram pela metade. Ela olha janela afora, do oitavo andar, vendo parte da cidade. Estranho - sem nuvens. O céu brilha azul como se esbanjasse tinta. Ela vê um senhor comprar na banca da esquina o jornal que ele lia e os cigarros que ele fumava. Pensa então se aquele senhor pretende tomar um café na padaria em que ele costumava tomar. Já faz alguns dias que não fala com ninguém - não tem nem certeza se as cordas vocais ainda funcionam. Pensa em falar, ensaia um pigarro pra começar, mas desiste. Tira do maço dele um cigarro, acende. Deixa-o queimando em um cinzeiro, na mesa de centro. Chora em silêncio. Não se sente no direito de fazer barulho. O telefone interrompe tudo num soluço. Ela atende. Diz, com a insegurança de quem fala pela primeira vez, que sim. Depois diz que não. Você não precisa se incomodar! Sério. Senta-se de novo. E inspira como se não fosse expirar. Ao telefone, ela continua. É sério, não precisa se preocupar. Vai ficar tudo bem. Do outro lado a voz suspira: "ele não vai voltar, nós duas sabemos.". O telefone, jogado num canto do sofá, e a fumaça do cigarro vagando pelo ar.

domingo, 28 de novembro de 2010

desperta.

o modo como ele finalmente acordou
demonstrava a falta que ele sentia
de algo ao seu lado.
ensaiando tocar alguma coisa
que já não estava mais ao seu lado,
e finalmente lembrar:
"não existe mais o que havia ontem".

aí vem, e ele se sente tão cansado que mal pode levantar.
falta coragem pra puxar um cigarro
de dentro do maço semi-aberto
que parece flutuar sobre a mesa de cabeceira.
sem coragem, ele nem se lembra do momento
em que o cigarro já entre seus lábios, é aceso.
e o cheiro dela parece impregnado nas paredes de suas narinas.

ele assiste as sombras dos pássaros
através da janela no teto do apartamento.
e sente como seus sonhos batessem asas
pra sair o mais rápido possível de seu alcance.

bebe com alguma pressa o café de ontem,
pra ver se tira o gosto amargo da derrota de seus lábios.
não funciona,
tudo parece ainda mais amargo.
e a xícara, levemente trincada.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

cheio

ando tão cheio de tudo
que escrever é me esvaziar.
tudo me cansa,
me enoja, me entedia.
tudo me é enfadonho.

me cansam as pessoas.
todas elas me enchem.
enchem de vaziedades, vaidades,
futilidades e frutilismos tropicais:
doces como suco de limão,
mas ainda queimam
as aftas por onde passam.
me enchem de devaneios vãos,
que me fazem rir pela ironia.

até o gosto de café que fica
por horas no céu da boca
já me irrita profundamente
por me impedir de me isentar.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

cura da ânsia

só quem sabe a ânsia que vem,
quando as palavras pairam no espaço
esperando serem capturadas,
sabe como eu me sinto.
é como se meu coração
quisesse pular
fora por minha boca
e bater no chão,
porque o chão seria mais confortável que meu peito
apertado.

queria vomitar com força
tudo o que me vem a cabeça,
mas o que me vem,
não vem em palavras,
vem sem qualquer nitidez.

não digo que a linguagem seja pouco
para a complexidade do meu ser,
isso seria pretensão demais.
mas que me faltam as palavras,
eu não posso negar.

meus ombros se jogam pra cima
sem eu nem querer
dando a idéia de que eu nem me importo.

don't hate da playa.

nada novo, de novo.
continuam sempre sendo as mesmas sombras
os mesmos tons e cores e
parece que ninguém quer
fugir dessa monotonia.
eu invejo quem vê mais.
afinal, precisar de mais é natural.
não é?
ficar só jogando o jogo cansa
às vezes.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

conselho

não pretendo me preocupar com a sua condição
de estar aquém do que é capaz.
eu ainda dou bom dia às pessoas,
e sinto demais,
minhas flores da pele desabrocham
minuto a minuto.
não que eu queira você sendo muito mais
seja o que quiser,
mas lembre-se,
das palavras que digo, quando digo:
café pouco é bobagem de tomar,
choro bobo é besteira chorar,
sonho são é só pra cabeça cansar.