quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

chovia

eu andava só,
na rua sob a chuva fraca,
que agraciava com alguma má-vontade
as folhas ferventes de sol.
sem muito o que pensar
- pra dizer a verdade, talvez nem pensasse,
queria resolver-me e ir pra casa.

mas ela...
por alguma razão
me senti preso:
no momento em que ela se sentou
naquele banco de praça
e olhava de perfil o infinito
me senti menor do que jamais tinha sido.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

angústia aquário

um dia foi real
aquela sensação de que
quando se olha nos olhos de alguém,
descreve-se o impossível de explicar.

e como ver a vida de fora?
estranheza do lado de lá,
setenta dias e eu ainda vejo
manchas coloridas no ar.

sinto o mundo defasado.
mexem a boca,
mas não posso escutar,
agoniado.
não desejaria ao pior inimigo
o meu lugar.

e eu corro,
sem ter muito onde chegar,
tentando passar o que passou.

deixo rastros e restos
por onde passo
e explodo em mil pedaços
quando vem e atinge em cheio,
cada fio de devaneio
rastejando, entrecortar
o pouco de razão que me restou.

mas nada muda,
(na verdade nunca muda),
sinto-me como de costume:
estrangeiro, posto
em meu lugar.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

conto que se escreve antes de sair de casa

Olhava as camisas dele, que ainda estavam penduradas junto às suas, num canto do guarda-roupas. Sobre o armário, o maço de cigarro dele que sobrou. Conversas que não terminaram, dias que ficaram pela metade. Ela olha janela afora, do oitavo andar, vendo parte da cidade. Estranho - sem nuvens. O céu brilha azul como se esbanjasse tinta. Ela vê um senhor comprar na banca da esquina o jornal que ele lia e os cigarros que ele fumava. Pensa então se aquele senhor pretende tomar um café na padaria em que ele costumava tomar. Já faz alguns dias que não fala com ninguém - não tem nem certeza se as cordas vocais ainda funcionam. Pensa em falar, ensaia um pigarro pra começar, mas desiste. Tira do maço dele um cigarro, acende. Deixa-o queimando em um cinzeiro, na mesa de centro. Chora em silêncio. Não se sente no direito de fazer barulho. O telefone interrompe tudo num soluço. Ela atende. Diz, com a insegurança de quem fala pela primeira vez, que sim. Depois diz que não. Você não precisa se incomodar! Sério. Senta-se de novo. E inspira como se não fosse expirar. Ao telefone, ela continua. É sério, não precisa se preocupar. Vai ficar tudo bem. Do outro lado a voz suspira: "ele não vai voltar, nós duas sabemos.". O telefone, jogado num canto do sofá, e a fumaça do cigarro vagando pelo ar.

domingo, 28 de novembro de 2010

desperta.

o modo como ele finalmente acordou
demonstrava a falta que ele sentia
de algo ao seu lado.
ensaiando tocar alguma coisa
que já não estava mais ao seu lado,
e finalmente lembrar:
"não existe mais o que havia ontem".

aí vem, e ele se sente tão cansado que mal pode levantar.
falta coragem pra puxar um cigarro
de dentro do maço semi-aberto
que parece flutuar sobre a mesa de cabeceira.
sem coragem, ele nem se lembra do momento
em que o cigarro já entre seus lábios, é aceso.
e o cheiro dela parece impregnado nas paredes de suas narinas.

ele assiste as sombras dos pássaros
através da janela no teto do apartamento.
e sente como seus sonhos batessem asas
pra sair o mais rápido possível de seu alcance.

bebe com alguma pressa o café de ontem,
pra ver se tira o gosto amargo da derrota de seus lábios.
não funciona,
tudo parece ainda mais amargo.
e a xícara, levemente trincada.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

cheio

ando tão cheio de tudo
que escrever é me esvaziar.
tudo me cansa,
me enoja, me entedia.
tudo me é enfadonho.

me cansam as pessoas.
todas elas me enchem.
enchem de vaziedades, vaidades,
futilidades e frutilismos tropicais:
doces como suco de limão,
mas ainda queimam
as aftas por onde passam.
me enchem de devaneios vãos,
que me fazem rir pela ironia.

até o gosto de café que fica
por horas no céu da boca
já me irrita profundamente
por me impedir de me isentar.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

cura da ânsia

só quem sabe a ânsia que vem,
quando as palavras pairam no espaço
esperando serem capturadas,
sabe como eu me sinto.
é como se meu coração
quisesse pular
fora por minha boca
e bater no chão,
porque o chão seria mais confortável que meu peito
apertado.

queria vomitar com força
tudo o que me vem a cabeça,
mas o que me vem,
não vem em palavras,
vem sem qualquer nitidez.

não digo que a linguagem seja pouco
para a complexidade do meu ser,
isso seria pretensão demais.
mas que me faltam as palavras,
eu não posso negar.

meus ombros se jogam pra cima
sem eu nem querer
dando a idéia de que eu nem me importo.

don't hate da playa.

nada novo, de novo.
continuam sempre sendo as mesmas sombras
os mesmos tons e cores e
parece que ninguém quer
fugir dessa monotonia.
eu invejo quem vê mais.
afinal, precisar de mais é natural.
não é?
ficar só jogando o jogo cansa
às vezes.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

conselho

não pretendo me preocupar com a sua condição
de estar aquém do que é capaz.
eu ainda dou bom dia às pessoas,
e sinto demais,
minhas flores da pele desabrocham
minuto a minuto.
não que eu queira você sendo muito mais
seja o que quiser,
mas lembre-se,
das palavras que digo, quando digo:
café pouco é bobagem de tomar,
choro bobo é besteira chorar,
sonho são é só pra cabeça cansar.

domingo, 15 de agosto de 2010

prisão

é quase um medo
receio de ter chegado
ao fim de uma viagem
sem aproveitar o caminho

pensar no que teria sido
se tivesse, então, levado
consigo aquela imagem
pra não ficar sozinho

não sei se por não ter falado
acabei abrindo margem
à inexistência de carinho
e à sua frieza executora

avassalando como o centro da cidade portuária

o que mais falta saber, se agora eu disse tudo?
será que fui perdoado?
dá-me soltura desse cárcere de condicionais.

irromper

como uma artéria
irrompendo em melodia
eu paro a ânsia que sinto
de ser vários

o sol colorido
através dos vitrais
de um lugar tranquilo

terça-feira, 3 de agosto de 2010

beijo

dedos que juntam-se em mãos
e lábios tornando-se ventura

- chega a ser triste
ver que, com sorte,
podia ser tudo assim
tão simples -

terça-feira, 20 de julho de 2010

des

é como subir em árvore de papelão
num dia de chuva.

No mesmo céu (Sobre o dualismo e a bipolaridade do mundo)

Hoje à tarde olhei pra rua,
sentado na calçada,
e no céu já via a lua
virando a esquina e se escondendo

Sorrio abarrotado pra fingir que acho graça,
sei que nada do que eu faça vai mudar:
a felicidade que mais me convém
é aquela que é tristeza também.

Sentado na varanda eu via o sol
iluminando a fila de carros e a noite afora.

domingo, 18 de julho de 2010

sinta

a introversão dos meus sentimentos
é como faca cega no escalpo.

passa passa passa
e não corta:
arranca doendo,

ironizando
a vontade que eu tinha de não sentir.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Considerações de passos na rua

Enquanto a casa está de pé, eu não moro lá. Monóxido de carbono em excesso, pronto para me psicotropicar.
Eu vejo no rosto das pessoas - a rua cheira a combustão e desespero.
Simples, sem fluir, o caos no trânsito, pra entorpecer quem quer que fosse. Encarava os próprios pés, esperava que, como meteoro, viessem as respostas atingir-lhe em cheio o crânio. Sorriu com o pensamento, e colocou de volta os fones de ouvido.
Cabisbaixou até sua casa, imaginando as outras vidas pelas janelas dos prédios, pela gravata torta do senhor de meia-idade de cuja testa reluzente escorria uma solitária gota de suor.