sexta-feira, 12 de maio de 2017

10h

os arrepios nos meus braços feito árvores querendo nascer
e o sol da manhã me acorda com a intensidade de um tapa
meus poros vazam fumaça e ansiedade
mais um dia sem levantar do chão

se você me fala, por exemplo, às oito da noite
ficarei sem dormir até as seis da madrugada seguinte

quinta-feira, 6 de abril de 2017

mena e sorocaba

alguma coisa acontece no meu coração
ou melhor, não, acontece não,
acontecia
hoje não acontece nada no meu coração

minha cabeça dói descendo a voluntários
perdi o ponto, dormi, porque em casa já nem durmo
e a velocidade dos carros da noite me assusta
de tarde é tudo sempre tão estático aqui

a gente senta de novo no mesmo bar
o numero um, cachaça a três
Antônio diz que eu to sumido
balanço a cabeça e levanto os ombros
é, é a vida.

você se senta ali do outro lado, eu nem olho pro seu rosto
alguma coisa acontece no meu coração
e não, não é bom

acordo e mais uma quadra
almoço naquele da carne seca e foda-se, me dá uma cerveja
as cadeiras ao redor são pra ninguém, pode tirar

alguém me chama do outro lado e não reconheço
e quase trombo meu ex-chefe enquanto olho
ele se muda já pra portugal e você como vai?
eu? eu vou, tô indo, já vou.

e de lembrar que tenho que subir aquela parte a pé já me doem as coxas
minha cabeça dói
a são clemente engarrafada até a marquês e o sol das quatorze em janeiro

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

sem título #98

eu nunca mais senti muita vontade
de qualquer coisa, na verdade
desde então eu só quero estar aqui sem doer

é, parece uma merda dizendo assim
parece que seria bem mais fácil nem estar aqui, então
é, a mim também parece.

mas alguma coisa não me deixa
chame de fraqueza se quiser,
ou força, se ousar.
eu, que não sei o que é
fico aqui na merda
esperando melhorar.

não tenho mais vontade de gritar,
não tenho mais vontade de pensar
eu não sei nem se quero continuar aqueles projetos todos que eu achei que tinha
(talvez eu nunca os tenha tido porque tirar as coisas do papel nunca foi do meu feitio)

às vezes só deitar na cama em silêncio olhando pro teto me faz rir feito idiota
e você sabe disso
acho que eu mudei meu interlocutor sem avisar
acho que é aquela parte de mim que presta atenção em tudo ao mesmo tempo, meio sem prestar.

pular me parece mais fácil do que andar
andar leva tempo demais e eu não sei esperar
nunca soube e não sei se aprendo

você sabe como eu sou, impulsivo e intempestivo
mas acho que se a gente pudesse, mas pudesse mesmo
era todo mundo um tanto menos defensivo.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

59 ou 110

Eu ainda sinto meus pulmões
pulsarem teu nome toda vez que te vejo passar
Você ainda gosta de ver o sol se esconder atrás dos muros?

Aquele parapeito me parecia tão pequeno
e eu queria tanto me jogar
Eu nem queria morrer, eu acho.
Talvez eu quisesse cair, não sei.
Sei que se pudesse escolher meu último momento,
seria aquele.

Os pássaros que gritavam em outra língua
O cachorro que a gente fez questão de ver e o quanto a gente ria

Eu me lembro do meu rosto paralisado
Tanta gente ao redor e eu não via ninguém

Aquele café fraco
Na esquina do prédio com uma escada bonita
E a fina fumaça de frio que saía de cada boca que se olhava

Se o mundo é um lugar bonito eu já nem sei,
E eu tenho muito medo de morrer
Sem saber

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

tiradentes

perdi meu coração em algum lugar da tiradentes
entre rebolados e rebuliços e xotes quentes
perdi minha cabeça em algum lugar da tiradentes

eu não quero cachaça eu nem como brigadeiro, valeu
eu só quero me achar no meu eu desse samba
que parece feito pra mim quando estanca
naquele verso que diz que ele não é mais abrigo

já não era cedo quando eu cheguei
não tem como ser cedo agora.
enquanto os flashes e as pessoas voam com glitter e tinta
é difícil demais não beber quando nada além da cerveja fica gelado.

faz clarão e eu já nem vejo mais ninguém,
não achei vocês mas achei alguém
e perdi tudo de dentro de mim.

ando pra lapa com o sol já na cuca, a camisa eu perdi.
o dôixcuátosséte espera,
com a paciência de quem vê crescer cabelo,
todo mundo que perdeu a cabeça ou o coração entre a tiradentes e riachuelo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

postcards of poster cards

uma prece tirada de cartões postais
que faça minha carne cicatrizar,
me carregar até a praia
com a segurança de fotos antigas.

coberto de panos lisos,
e com gritos presos no peito,
caminhamos feito fantasmas
sem lares pra assombrar.

espalhar nossas vozes
por desfiladeiros.

e só de vez em quando,
o vento das noites me iça
feito vela de navio,
e me leva pra um novo lugar.

e por um segundo,
só por um segundo,
me esqueço que somos tão frágeis,
feito robôs enferrujados,
rangemos feito os assoalhos
da casa que nos faltava
pra assombrar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Eterno retorno (à mantiqueira)

O ar sincero dessas cidades,
muito cheiro de mato,

cheiro de café com terra.
Nada dos sais e gases
inebriantes,
menos gosto do amargo.

Cheiro de frio.
Feito aquela coberta que tinha pra dormir, quando criança.

Talvez mais cheiro de gente do que se imagina.
Cheiro de gente com terra, gente que cheira a chuva
(aquele cheiro de chuva que a gente conhece).
Cheiro que não me esqueço,
do lampião queimando junto do cigarro de palha.
O que o indefinível deve cheirar.